Garotas estúpidas
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Letícia Colin fala a verdade nua e crua sobre maternidade

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Entrevistar Letícia Colin é como falar com aquela sua amiga querida por horas. Em tempos do reinado do Zoom, havia me desacostumado com o preciosismo de conversar pelo telefone, horas a fio, sem me preocupar se a câmera estava boa ou não. E, quanto mais Letícia me contava sobre sua vida e maternidade, mais tempo queria ficar ali, naquela ligação, aprendendo com ela.

Afinal, é muito enriquecedor ver uma mulher sendo 100% honesta sobre o que é ser mãe. Mais realidade, menos propaganda de margarina, sabe? Se pudesse resumir em uma palavra nosso papo, seria: aula. Por isso, aconselho. Leia com carinho todos os conselhos sábios dessa atriz, com mais de 20 anos de carreira. Tenho certeza, você não vai se arrepender.

GE: O que a maternidade mudou na sua vida?

LC: Mudou muito e acho que vai, para sempre, continuar a mudar. Eu tenho a impressão de que desde que eu soube que estava grávida a até agora, em todos os dias em que eu acordo, ela me transforma. É uma vida muito mais agitada e intensa que eu tinha eu antes.

Eu já sou uma pessoa que ama se sentir viva. Por isso, sou atriz, para poder viver várias vidas numa só. E acho que ser mãe tem isso, a gente vive com muito mais pressão. Aquela pressão boa, sabe? São muitas descobertas todos os dias. Uri está numa fase de transição forte, logo menos vai fazer 2 anos. Vai deixando de ser bebê e vai virando criança. Todos os dias temos mudanças. Na rotina, no sono, nas perguntas, nos vocabulários, nas demonstrações de afeto. É muito intenso ser mãe. Eu gosto de atividades intensas. Ser mãe é a atividade mais intensa que eu já encontrei na vida.

GE: Além de já ser assim por si só, estamos todos também vivendo em um momento intenso. A maternidade se tornou mais delicada durante a pandemia?

LC: Todos nós estamos num momento mais delicado, de vulnerabilidade, de medo e de ter a sensação de insegurança. Não é possível encontrar as pessoas quando você precisa do apoio da comunidade. Fomos privados disso.

O Uri está vindo num momento de renovação mundial. Muita coisa acontecendo. É um momento político tenebroso pro nosso país. É como se o tempo todo tivesse uma nuvem cinza em cima das nossas cabeças. A gente tenta blindá-lo por ser tão pequeno. Mas eu acho que essas crianças que nasceram nessa fase já vem com uma missão de transformação muito grande. De iluminar, de revolucionar, de trazer mais amor, mais compreensão, de ir na contramão de tudo o que esse desgoverno prega sobre ódio. As crianças vêm mais ainda com uma chave de afeto, de amar e exaltar as diferenças. Então, ele foi um farol. Estaríamos bem deprimidos se não tivéssemos o bebê alegrando a casa.

GE: Uma vez você disse que só a Clarice Lispector era capaz de explicar o que é ser mãe. Agora que o Uri está com quase 2 anos, nas palavras de Letícia Colin, o que é ser mãe?

LC: Ser mãe é ser mais humana do que nunca. É mergulhar e aceitar que às vezes não damos conta, que não sabemos tudo, que ficamos cansadas e precisamos de ajuda, e, que começamos a amar de um jeito muito louco e intenso. A gente aprende que o corpo tem ciclos. A gestação tem todo um ciclo para acontecer. A gente passa a reverenciar ciclos e processos. É ver as coisas crescendo com o tempo, esperar. Eu sempre fui muito impaciente e impulsiva. Durante um tempo, isso funcionou bem. Mas, agora, com tudo que estamos vivendo, precisamos reverenciar e agradecer o tempo das coisas. Pode ser que a gente não colha um fruto agora para colher depois. A maternidade coloca você cara a cara com o tempo, que há coisas místicas acontecendo e que elas se alteram. É algo muito bonito. É uma grande viagem da vida. 

GE: Você fala bastante sobre a romantização da maternidade e como precisamos quebrar esse tabu. O que isso representa para você?

LC: A publicidade, durante muito tempo, construiu essa imagem perfeita e harmoniosa e perfeita da mãe e do filho. Eles costumam a até aparecer sozinhos, calmos e serenos. E a maternidade, para mim, não tem nada a ver com calma. Ela tem a ver com um abismo de novidades, experiências e coisas maravilhosas que você sente sobre conexão e amor. Quando a gente fala sobre transformações, são coisas que doem muito. A maternidade dói porque ela é o maior processo transformador do ser humano. É a grande transformação da vida!

A Manu, de Sessão de Terapia [episódio em que Letícia atua como uma mãe com depressão pós-parto], tinha uma ideia de maternidade mais distante. E não tem nada de distante. A maternidade é cara a cara. E quando é assim, cara a cara, é assustador. Por exemplo, um filme. Por mais que você se envolva, ele tem um fim e você vai voltar para a sua vida. Tem uma tela te protegendo daquela história. A maternidade não tem isso. Não tem cinto de proteção. Ela é sem fronteiras. Tanto que o nosso filho é continuidade do nosso corpo. É algo muito forte. Ele nasce da nossa carne. E, depois, compreender que ele irá pro mundo como um ser individual é muito intenso.

Ainda, nosso corpo passa por uma descarga de hormônios louquíssima. A gente fica realmente muito sensível. O acolhimento da mulher tem que ser íntimo. Eu não me sentia linda, eu não tinha vontade de me arrumar. E, ao mesmo tempo, tinha uma coisa muito bela acontecendo. É um outro tipo de beleza que se descobre.

GE: E como é isso?

LC: É uma quebra de paradigma muito grande. A gente vive numa sociedade que estabelece valores como: ser mulher é isso ou aquilo, ter sucesso como mãe é isso ou aquilo. Mas eu acho que fracassar é grande parte da caminhada de ser mãe. De se sentir perdida, sem saída. Eu não tenho medo de me sentir assim. E isso faz com que a nossa caminhada seja menos sofrida. A gente tem todo o direito de errar. Ser mãe não nos tira isso. Eu estou virando mãe ainda e vou continuar a vida toda. Porque vamos continuar a inventar a nossa relação. É uma relação que não nasce pronta.

GE: As pessoas tem o hábito de associar fracasso com o fim da linha. E, na minha opinião, ele é só um recomeço, né?

LC: Nossa sociedade prega essa produtividade. A pandemia trouxe um pouco essa quebra também. A gente precisou se encarar. A gente ganhou um mega espelho do universo e vamos ter que ficar nos olhando nele. E é muito desafiador se olhar de verdade. Por isso que a maternidade é tão dolorosa e desafiadora. Ela é um espelho. A gente vai enfrentar os nossos traumas, nosso passado, nossas crenças, a história dos nossos pais. É a gênesis de toda nossa formação, desde o bom a até o não tão bom também.

GE: Você tem 20 anos de carreira e sempre teve uma voz muito ativa, fazendo questão de falar sobre assuntos que estão em pauta no momento. Então, eu queria saber: ter essa voz tão ativa não dá um medinho com a onda de cancelamento?

LC: Dizer tem o mesmo peso de não dizer. Quando você não diz algo, você está, sim, falando alguma coisa. É isso que as pessoas às vezes não entendem. Você não dar a sua opinião quer dizer que você está dando uma opinião sobre o que está acontecendo. É uma situação de guerra. Eu acho que não dá para não falar.

Qualquer oportunidade que eu tenha de falar com as pessoas e propagar esses apelos, precisamos aproveitar. Tem pessoas morrendo, essa é a questão. Enquanto a gente conversa, tem pessoas morrendo por Covid, porque a vacina não foi comprada, porque houve uma campanha de um tratamento preventivo ineficaz, teve falta de remédios nas UTIs. É uma questão de vida ou morte. Esse é o nível de urgência que estamos vivendo. Eu não posso perder oportunidades de falar, ainda mais sendo uma pessoa pública. Acho é mais importante falar sobre isso, que falar sobre o que eu gosto, visto, trabalhos. É falar que tem gente morrendo e isso está sendo financiado pelo governo federal, na figura do presidente Bolsonaro. É a minha maneira de lutar. Ajudo instituições, faço um trabalho de conscientização. Mas falar sobre o que está acontecendo, ainda como atriz, é muito necessário. A palavra é a minha arma.

Fotos créditos:

Equipe:

Fotos: Sher Santos

Styling: Bruno Pimentel

Beleza: Piu Gontijo

Ass fotografia: Beatriz Gimeniz

Ass de moda: Jorge Moura

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